A
Trindade é uma doutrina cristã que trata acerca da diversidade que há na
unidade de Deus, nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A primeira coisa que deve ser
considerada num estudo sobre o que é a Trindade, é saber que estamos diante de
um grande mistério, ou seja, é impossível ao homem compreender e explicar a
Trindade de forma plena.
Essa
dificuldade se dá, sobretudo, pelo fato de que a doutrina da Santíssima
Trindade se concentra no estudo do Ser de Deus e de sua atividade, e Deus é
infinitamente maior do que nós, de modo que com todas as nossas limitações,
apenas conhecemos sobre Ele o que Ele próprio decidiu nos revelar de forma
plenamente suficiente, tanto através das Escrituras quanto através das obras da
criação, onde podemos admirar seus atributos.
Todavia,
por mais que seja complexa e misteriosa, a doutrina da Trindade é
essencialmente acessível, no sentido de que seu conceito principal pode ser
claramente percebido e assimilado, através do estudo da Palavra de Deus.
O significado de Trindade
O
significado do termo Trindade, que vem do latim trinitas, procura
transmitir um sentido de “três que é um”. Esse termo foi aplicado pela primeira vez por
Tertuliano, um dos pais da Igreja Antiga, para se referir à natureza triuna de
Deus revelada nas Escrituras.
A Trindade na História da Igreja
Desde
muito cedo a Igreja precisou formular uma doutrina a cerca desse assunto,
especialmente para se proteger de falsos ensinos que já desde a época
apostólica procuravam se introduzir na comunidade cristã, os quais eram
influenciados pelo gnosticismo, pelo platonismo e pelo próprio judaísmo.
De forma
bastante resumida, podemos dizer que o ponto principal dessas heresias atacava
a divindade de Cristo e a pessoalidade do Espírito Santo.
As heresias sobre a Trindade
As
principais teorias heréticas com relação à Trindade são:
- Modalismo: também chamado de Sabelianismo ou mesmo Monarquismo Modalista, essa teoria defende que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são manifestações históricas de uma única pessoa divina, ou seja, quando a Bíblia fala sobre o Pai, o Filho e o Espírito, ela estaria então apenas apontando as diferentes manifestações de Deus aos homens, sendo o Pai na criação, o Filho na redenção e o Espírito na regeneração.
- Adocianismo: defende que Jesus não era divino, mas apenas alguém que recebeu um poder especial de Deus no momento de seu batismo, o que fez com que Ele fosse elevado a uma posição superior aos homens. Essa teoria também é chamada de Monarquismo Dinâmico.
- Arianismo: defende que o Filho não é eterno, mas simplesmente um ser criado por Deus que serviu propriamente como um instrumento para a criação do mundo. O Arianismo surgiu no início do século 4 d.C. sob liderança de Ário, um presbítero da igreja de Alexandria, e foi fortemente combatido pelo importante teólogo Atanásio.
A Igreja
rapidamente procurou combater a tais heresias. Na época foram convocados
Concílios, onde vários teólogos se reuniram e formularam documentos que
expressavam a declaração de fé da Igreja.
Assim,
após ter sido utilizada por Tertuliano no final do século 2 d.C., a palavra
Trindade passou a ser considerada de maneira mais formal na teologia cristã a
partir do quarto século. Dentre esses Concílios, a Trindade foi especialmente debatida e
afirmada no Concílio de Niceia em 325 d.C., e reafirmada no Concílio de
Constantinopla em 381 d.C.
Estudiosos
notáveis como Basílio de Cesaréia, Gregório de Naziano, Gregório de Nissa e
Agostinho, também refletiram e escreveram sobre a Trindade, e mais de mil anos
depois, igualmente os reformadores deram especial importância a ela, com
destaque para João Calvino, que concentrou grande parte de seus escritos
falando sobre a Trindade, especialmente com relação a Pessoa e a obra do
Espírito Santo.
A Trindade na Bíblia
A palavra
“Trindade” não pode ser encontrada originalmente na Bíblia, mas sua doutrina
está presente nela de forma inegável, de ponta a ponta. Em harmonia com o caráter
progressivo da revelação de Deus nas Escrituras, é no Novo Testamento onde
encontramos de forma mais explicita as bases do dogma trinitariano, mas ainda
no Antigo Testamento, especialmente sob a luz do Novo, é possível perceber a
verdade acerca do Deus Triúno.
No
primeiro capítulo de Gênesis, no relato da criação, já podemos encontrar os
primeiros prenúncios acerca da Trindade. Nele, somos apresentados ao Deus que
criou todas as coisas por meio da Palavra e do Espírito (Gênesis 1:3).
Aqui é
interessante saber que a palavra hebraica Elohim que é um dos nomes de Deus no Antigo Testamento, está
em sua forma plural, não no sentido de indicar três deuses, mas como sendo um
plural de intensidade, algo característico do hebraico. Com isso, essa palavra,
por si só, não pode ser utilizada como prova da Trindade, mas, de alguma forma,
com base no contexto em que algumas vezes aparece, certamente ela aponta para a
diversidade dentro da própria Divindade. Saiba mais sobre o significado de Elohim na Bíblia.
Isso é o
que acontece em Gênesis, onde o texto bíblico explora ainda mais essa questão
ao aplicar formais verbais no plural, como a conhecida expressão “façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1:26), ou seja,
no Antigo Testamento existe uma comunicação de Deus consigo mesmo (cf. Gênesis
3:22; 11:7).
Se esse
versículo expõe de forma bastante enfática a pluralidade na natureza Divina, o
versículo seguinte cuida de garantir que nenhuma ideia equivocada de supostos
três deuses seja concebida, ao afirmar categoricamente: “E criou Deus o
homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”
(Gênesis 1:27).
Quando
comparamos esse texto com os primeiros versículos do Evangelho de João,
entendemos que ele expressa de forma maravilhosa a obra do Pai, do Filho e do
Espírito na criação de todas as coisas (João 1:1-3; cf. Colossenses 1:16,17).
Na época
de Moisés, na conhecida Benção Sacerdotal
registrada em Números 6:24-26, curiosamente encontramos a tríplice repetição do
nome de Deus, traduzido como “Senhor”. Já no Novo Testamento, de forma similar,
temos o também conhecido texto do apóstolo Paulo que ficou denominado como Benção Apostólica, onde claramente as três
Pessoas da Trindade são distinguidas (2 Coríntios 13:13).
Outras
importantes provas que apontam para a Trindade no Antigo Testamento são as
aparições de Deus e as manifestações do Anjo do Senhor. No Antigo Testamento,
lemos sobre várias aparições de Deus (Gênesis 18:1; Êxodo 33:18-23), mas ao
mesmo tempo também encontramos na Bíblia a clara afirmação de que nunca ninguém
viu a Deus (1 João 4:12). A explicação para essa aparente contradição
encontra-se na pessoa do Filho, conforme lemos: “Ninguém jamais viu a Deus,
mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido” (João
1:18).
Portanto,
seguramente podemos afirmar que mesmo no Antigo Testamento o Filho revela a
Divindade. Isso fica claro ao compararmos dois textos em especial: Isaías 6:1-5
e João 12:37-41. No primeiro, o profeta Isaías afirma que viu o Senhor,
enquanto que no segundo, o apóstolo João escreve dizendo que a rejeição no
ministério de Jesus cumpria a profecia de Isaías, sendo que este profetizou
porque viu a glória de Jesus e falou sobre Ele.
Já com
relação ao Anjo do Senhor, o que se sabe é que não se trata de um anjo como os
demais, pois ele se identifica como sendo o Senhor, e ao mesmo tempo se
distingue do próprio Senhor. Além de exibir o nome divino, esse Anjo, que no
original geralmente é referido com o título Mal’akh Yahweh, ostenta
poder e dignidade comum apenas a Deus, aceitando e exigindo adoração. Quando de
fato o contexto aponta para um tipo de Teofania, normalmente se entende ser Ele
uma manifestação da Segunda Pessoa da Trindade, o Filho.
Então da
mesma forma com que o Filho pode ser percebido no Antigo Testamento, o Espírito
também pode, sendo atribuída a Ele significativa importância na obra do Messias
prometido (Isaías 11:2; 42:1; 61:10) e na preparação de seu povo (Joel 2:28;
Isaías 32:15; Ezequiel 36:26,27).
Com
relação ao Novo Testamento, a evidencia da Trindade é bastante explicita e
abundante. No anúncio sobre o nascimento de Jesus
feito a Maria, a ação do Deus Triúno fica evidente (Lucas 1:35).
O exemplo
mais claro encontra-se no batismo de Jesus, quando o Espírito de Deus desceu
sobre Ele como uma pomba, e uma voz do céu disse: “Este é o meu Filho amado,
em quem me comprazo” (Mateus 3:16,17).
Na
própria pregação de João Batista é
possível notar uma referência a Trindade Divina, pois ele falava sobre a
importância do arrependimento para com Deus e anunciava a vinda do Messias que
tem poder para batizar com o Espírito Santo.
Já na
fórmula batismal, o próprio Jesus declarou: “Ide, portanto, fazei discípulos
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo” (Mateus 28:19). Perceba que a palavra “nome” permanece no singular,
ou seja, há um único nome, porque os três são um único Deus.
Também
durante seu ministério, Jesus falou do Pai, orou ao Pai, deixou claro que não
eram a mesma pessoa, mas ao mesmo tempo afirmou que eram Um (Mateus 5:16; 7:21;
11:25; 16:27; João 10:17-38), e também deu testemunho direto sobre o ofício do
Espírito Santo (João 15 e 16). Entenda melhor o significa da expressão “Eu e o Pai somos Um”.
Deus é um ou três? Como entender a Santíssima
Trindade?
A Bíblia
é muito clara ao afirmar que Deus é um, tanto no Antigo Testamento quanto no
Novo (cf.
Êxodo 20:3; Deuteronômio 4:35; Isaías 45:14; 46:9; 1 Coríntios 8:4-6; Efésios
4:3-6; etc.). O versículo mais conhecido sobre esse ponto, e que com o tempo se
tornou a declaração de fé dos judeus, o Shemá, diz: “Ouve, Israel, o
Senhor teu Deus é o único Senhor” (Deuteronômio 4:6).
Mas ao mesmo
tempo, conforme vimos aqui, a Bíblia também revela que esse único Deus subsiste
em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, igualmente eternas e divinas (Mateus 3:16,17; 9:4; 28:18;
Marcos 2:1-12; João 1:1-3; 3:5-8; 5:27; 10:30; Atos 5:3,4; 1 Coríntios 2:10;
6:19; 2 Coríntios 13:14; Colossenses 1:17; etc.).
As
pessoas gostam de procurar algum exemplo que explique a Trindade, porém isso é
impossível, visto que não há nada que conheçamos que pode, ao menos, se
assemelhar ao conceito do Deus Triúno conforme ensinado nas Escrituras.
Portanto, a grande maioria desses exemplos mais prejudica o entendimento acerca
da Santíssima Trindade do que ajuda.
A melhor
coisa é simplesmente nos conformarmos que a pluralidade e a unidade não são contraditórias
no Ser do único Deus, mesmo que isso pareça não fazer sentido a nós. Assim,
a melhor definição é dizer que a Trindade significa que Deus é um Ser que
subsiste em três pessoas, sem deixar de ser um, ou seja, há diversidade na
unidade, há três pessoas em um único Deus.
Apesar de
serem três pessoas distintas, não se tratam de três indivíduos separados, pois
elas compartilham a mesma natureza, ou seja, são da mesma essência ou
substância divina, e assim são igualmente Deus, possuem os mesmos atributos e a
mesma vontade. Portanto, entendemos que o Ser de Deus não está dividido em três
partes, ao contrário, Ele é uma só essência em três pessoas, e é por isso que
Pai, Filho e Espírito são plenamente e perfeitamente Deus. Sobre isso, o
próprio Jesus declarou: “Eu e o Pai somos um”.
Existe hierarquia na Trindade?
Para
respondermos essa pergunta corretamente precisamos fazer uma distinção entre
Trindade Ontológica e Trindade Econômica. A Trindade Ontológica fala acerca
da Trindade em essência, e nesse sentido não há qualquer hierarquia ou
subordinação.
Às vezes
a expressão “1ª, 2ª e 3ª Pessoa da Trindade”, nos leva a falsa interpretação de
que existe algum tipo de hierarquia, mas na verdade ela se refere ao fato de
que o Pai origina, isto é, o Filho é eternamente gerado do Pai, e o Espírito
procede eternamente do Pai e do Filho. Também é preciso entender que quando se
diz “gerado” ou “procede”, não significa “criado”, ou seja, não há um único
momento em que o Filho não existiu, ou mesmo que o Espírito esteve ausente.
O Pai
sempre foi Pai, o Filho sempre foi o Filho do Pai, e o Espírito sempre foi
procedente do Pai e do Filho (Miqueias 5:2; João 5:6; 15:26). Agostinho foi
muito feliz em dizer: “O Pai é apenas o Pai do Filho, e o Filho apenas o
Filho do Pai; o Espírito, entretanto, é o Espírito tanto do Pai como do Filho,
unindo-os em um vínculo de amor”.
Isso
significa que o Pai, o Filho e o Espírito são igualmente Deus, possuem o mesmo
poder, a mesma majestade e devem ser adorados de igual forma. Biblicamente,
cada pessoa da Trindade procura a honra da outra, simplesmente porque, na
verdade, são um único e verdadeiro Deus.
Já a
Trindade Econômica trata acerca da forma com que o Deus Triúno age em relação à
Criação e à Redenção. Por
exemplo, o Pai cria, através do Filho, pela agência do Espírito Santo. Assim,
com relação à economia da obra da salvação, existe uma organização, e nessa
organização, e somente nela, isto é, apenas no aspecto econômico, existe uma
subordinação, pois o Pai envia o Filho, e o Pai e o Filho enviam o Espírito
Santo. É nesse sentido, com relação ao que envolve o plano de salvação, que
Jesus declarou ser menor que o Pai (João 14:28), e depois o apóstolo Paulo escreveu dizendo que Deus é o
cabeça de Cristo (1 Coríntios 11:3).
Portanto,
ainda com relação à salvação, é correto dizer que o Pai planejou a salvação e
elegeu os santos, o Filho trouxe a redenção executando o plano salvífico, e o
Espírito Santo confirma essa obra regenerando, capacitando e santificando o
pecador. Em sua
primeira carta, o apóstolo Pedro falou de forma muita clara e
simples sobre isso (1 Pedro 1:2).
Para concluir,
por mais que não possamos explicar completamente o que é a Trindade, certamente
podemos compreender que só há um único Deus que subsiste em três pessoas, e que
esse Deus Triúno, por sua infinita graça, de forma soberana, agiu em favor da
nossa salvação.
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