Introdução
As tentativas de se produzir uma raça superior não
tiveram início com Adolf Hitler, nem terminaram com ele. Nossa geração
parece ter fixação por super humanos. Super Homem, Homem Biônico, Mulher
Biônica, Hulk, e muitos outros personagens da televisão versam sobre o
mesmo tema. E o domínio dessa super-raça não deve ser entendido apenas
no campo da ficção. É quase assustador saber que os geneticistas vêm
tentando criar humanos superiores enquanto o aborto pode se tornar um
meio de eliminar sistematicamente os indesejáveis. Outro dia, li no
jornal um artigo que falava sobre uma organização que disponibiliza o
esperma de ganhadores do Prêmio Nobel para determinadas mulheres.
Contudo, é bem mais difícil determinar as últimas
consequências dessas tentativas do que encontrar sua origem. Seu início
está registrado no sexto capítulo do livro de Gênesis. Devo dizer, no
entanto, antes de começar o estudo, que há mais discordância por
centímetro quadrado neste texto do que em qualquer outro lugar da
Bíblia. Em geral, as maiores dificuldades com esta passagem vêm dos
teólogos conservadores. Isso se deve ao fato da narrativa ser
classificada como lenda por aqueles que não tomam a Bíblia ao pé da
letra ou não a levam a sério. Os eruditos conservadores precisam
explicar este episódio de acordo com aquilo que Moisés afirmou ser, um
acontecimento histórico. Embora o texto suscite grandes diferenças de
interpretação, isso não tem muita importância, pois não irá afetar o
fundamento da salvação eterna de ninguém. Em geral, as pessoas de quem
mais discordo são justamente meus irmãos em Cristo.
Quem, afinal, são os “Filhos de Deus”?
A interpretação dos versículos 1 a 8 depende da
definição de três termos-chave: “os filhos de Deus” (2 e 4), “as filhas
dos homens” (2 e 4), e os “nefilins” (4). Existem três interpretações
principais destes termos que tentarei descrever, começando por aquela
que, a meu ver, é a menos provável, e terminando com a que me parece
mais satisfatória.
Posição 1: A União dos Ímpios Descendentes de Caim com os Piedosos Descendentes de Sete
Segundo quem defende este ponto de vista, “os filhos
de Deus” são os homens piedosos da linhagem de Sete. As “filhas dos
homens”, as filhas dos ímpios cainitas. E os “nefilins”, os homens
ímpios e violentos resultantes dessa união pecaminosa.
O principal fundamento para essa interpretação é o
contexto dos capítulos 4 e 5. O capítulo quatro descreve a ímpia geração
de Caim, enquanto no capítulo cinco vemos a piedosa linhagem de Sete.
Em Israel, a separação era uma parte vital da responsabilidade religiosa
daqueles que verdadeiramente adoravam a Deus. O acontecimento do
capítulo seis foi uma transgressão dessa separação que ameaçou a
descendência piedosa da qual devia nascer o Messias. Essa transgressão
foi a causa do dilúvio que viria a seguir. O mundo ímpio foi destruído e
o justo Noé e sua família, por meio de quem seria cumprida a promessa
de Gênesis 3:15, foram preservados.
Embora esta interpretação tenha a característica
louvável de explicar a passagem sem criar problemas doutrinários ou
teológicos, o que ela oferece em termos de ortodoxia é feito às expensas
de uma prática exegética aceitável.
Em primeiro lugar, as definições dadas por essa interpretação não emergem do texto ou mesmo se adaptam a ele. Em lugar algum os descendentes de Sete são chamados de “os filhos de Deus”.
O contraste entre a linhagem piedosa de Sete e a
linhagem ímpia de Caim talvez seja enfatizado demais. Não tenho absoluta
certeza de que a linhagem de Sete, como um todo, tenha sido piedosa.
Enquanto todos os descendentes da linhagem de Caim parecem ter sido
ímpios, só um punhado dos descendentes de Sete são chamados de piedosos.
O ponto que Moisés deseja ressaltar no capítulo cinco é que Deus
preservou um remanescente justo pelo qual Suas promessas a Adão e Eva
seriam cumpridas. Tem-se a distinta impressão de que bem poucas pessoas
temiam a Deus naqueles dias (cf. 6:5-7, 12). Aparentemente, só Noé e sua
família podiam ser chamados de justos na época do dilúvio. Teria Deus
deixado de salvar algum justo?
Além disso, “as filhas dos homens” dificilmente
poderiam se limitar somente às filhas dos cainitas. No versículo um
Moisés escreveu: “como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes
nasceram filhas” (Gênesis 6:1).
É difícil concluir que os “homens” aqui não sejam os homens em geral ou a raça humana. Segue-se
que a referência às suas “filhas” seria igualmente geral. Deduzir que
as “filhas dos homens” no versículo dois seja algo diferente, um grupo
mais restrito, é ignorar o contexto da passagem.
Por estas e outras razões1,
devo concluir que esta posição é exegeticamente inaceitável. Embora
cumpra os requisitos da ortodoxia, ela não se submete às leis da
interpretação.
Posição 2: A Interpretação dos Déspotas
Reconhecendo as deficiências da primeira posição,
alguns eruditos procuraram definir a expressão “os filhos de Deus”
comparando-a com as línguas do antigo Oriente Próximo. É interessante
saber que alguns governantes eram identificados como filho de um deus em
particular. No Egito, por exemplo, o rei era chamado de filho de Rá2.
No Antigo Testamento, a palavra hebraica para Deus, Elohim, é usada para homens em posição de autoridade:
Então, o seu senhor o levará aos juízes que agirão em nome de Deus. (Êxodo 21:6, seguido do comentário à margem da NASV)
Deus assiste em Sua própria congregação; Ele julga
em meio aos governantes (literalmente, os deuses, Salmo 82:1, cf. também
82:6)
Esta interpretação, como a dos anjos caídos, tem suas raízes na antiguidade3. De acordo com esta proposta, os “filhos de Deus” são nobres, aristocratas e reis.
Esses déspotas ambiciosos cobiçavam poder e riqueza e
queriam se tornar “homens de renome”, ou seja, célebres (cf. 11:4)! Seu
pecado não era o “casamento misto entre dois grupos, ou entre dois
mundos (anjos e homens), ou entre duas comunidades religiosas
(descendentes de Sete e de Caim), ou ainda entre duas classes sociais
(plebe e realeza) — seu pecado era a poligamia”. Era o mesmo tipo de
pecado de Lameque, o descendente de Caim, o pecado da poligamia, mais
especificamente visto na forma de um harém, instituição característica
da corte de um antigo déspota oriental. Nessa transgressão, os “filhos
de Deus”, com frequência, violavam o dever sagrado de seu ofício como
guardiães das ordenanças gerais de Deus para a conduta humana4.
No contexto de Gênesis 4 e 5, encontramos algumas
evidências que poderiam ser interpretadas como suporte ao ponto de vista
sobre os déspotas. Caim edificou uma cidade e em seguida deu a ela o
nome de seu filho Enoque (versículo 4:17). As dinastias seriam mais
facilmente estabelecidas num ambiente urbano. Sabemos, ainda, que
Lameque teve duas mulheres (versículo 4:19). Embora isso esteja bem
longe de ser um harém, poderia ser visto como um passo nessa direção.
Esta posição também define “as filhas dos homens” como mulheres e não só
como as filhas da linhagem de Caim.
Apesar desses fatores, esta interpretação
provavelmente nunca teria sido concebida não fossem os “problemas”
criados pela posição sobre os anjos caídos. Embora os reis pagãos fossem
considerados como filhos de alguma divindade, nenhum rei israelita foi
assim designado. É bem verdade que os nobres e algumas autoridades
foram, ocasionalmente, chamados de “deuses”, mas não de “filhos de
Deus”. Essa interpretação prefere ignorar a definição precisa fornecida
pelas próprias Escrituras.
Além disso, toda a idéia de homens famintos de
poder, procurando estabelecer uma dinastia com a formação de um harém,
parece forçada nessa passagem. Quem teria tirado essa idéia do próprio
texto, a menos que impusesse isso a ele? E mais, a definição dos
nefilins como sendo meros homens violentos e tirânicos também parece
inadequada. Por que tais homens seriam mencionados com tanta deferência
se fossem como quaisquer outros daquela época? (cf. 6:11, 12). Embora a
interpretação dos déspotas seja menos violenta ao texto do que a dos
descendentes de Sete e Caim, ainda assim ela me parece inapropriada.
Posição 3: A Interpretação dos Anjos Caídos
De acordo com esta posição, os “filhos de Deus” dos
versículos 2 e 4 são anjos caídos, os quais assumiram uma forma
semelhante à dos homens. Esses anjos se casaram com mulheres da raça
humana (descendentes de Caim ou de Sete) e a descendência resultante
foram os nefilins. Os nefilins eram gigantes de superioridade física, os
quais, por isso, se estabeleceram como homens de renome pelas suas
proezas físicas e poderio militar. Essa raça de criaturas meio humanas
foi varrida pelo dilúvio, junto com a humanidade em geral, pecadores
confessos (versículos 6:11, 12).
Minha pressuposição básica na abordagem do nosso
texto é que devemos deixar a Bíblia definir seus próprios termos. Se as
definições bíblicas não forem encontradas, então devemos examinar a
linguagem e a cultura dos povos contemporâneos. No entanto, a Bíblia
define para nós o termo “os filhos de Deus”.
Um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. (Jó 1:6)
Num dia em que os filhos de Deus vieram
apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles
apresentar-se perante o SENHOR. (Jó 2:1)
Quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus? (Jó 38:7, cf. Salmo 89:6, Daniel 3:25)
Os eruditos que rejeitam esta posição prontamente reconhecem o fato de que o termo exato é claramente definido na Escritura5.
A razão pela qual rejeitam a interpretação dos anjos caídos é por
acharem que esse ponto de vista é uma afronta à razão e à Escritura.
A principal passagem problemática citada é a do
evangelho de Mateus, onde nosso Senhor disse: “Errais, não conhecendo as
Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem
se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mateus
22:29-30).
Eles dizem que nosso Senhor falou que anjos não têm
sexo, mas isso é mesmo verdade? Jesus estava comparando homens no céu
com anjos no céu. Não está escrito que, no céu, homens ou anjos sejam
assexuados, e sim que no céu não haverá casamento. Não há anjos
femininos com quem os anjos possam gerar descendência. Nunca foi dito
aos anjos “crescei e multiplicai-vos”, como foi dito ao homem.
Quando encontramos anjos descritos no livro de
Gênesis, fica claro que eles podem assumir a forma humana, e que seu
sexo é masculino. O escritor aos Hebreus menciona o fato de eles poderem
ser hospedados sem o conhecimento das pessoas (Hebreus 13:2). Com
certeza, eles devem ser bem convincentes como homens. Os homossexuais de
Sodoma eram muito bons para julgar a sexualidade. Eles foram atraídos
pela “masculinidade” dos anjos que foram lá para destruir a cidade (cf.
Gênesis 19:1 e ss, especialmente o versículo 5).
No Novo Testamento, duas passagens parecem se referir ao incidente de Gênesis 6, e dão base à interpretação dos anjos:
Ora, se Deus não poupou a anjos quando pecaram,
antes, precipitando-os no inferno os entregou a abismos de trevas,
reservando-os para o juízo. (2 Pedro 2:4)
E a anjos, os que não guardaram o seu estado
original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob
trevas, em algemas eternas, para o juízo do Grande Dia. (Judas 6)
Estes versículos podem indicar que alguns anjos que
caíram com Satanás não ficaram contentes com seu “próprio domicílio” e,
por isso, começaram a viver entre os homens (e mulheres) como homens. O
julgamento de Deus foi colocá-los em algemas6
para que não pudessem mais servir aos propósitos de Satanás na terra
como fazem os anjos caídos que ainda estão soltos executando suas
ordens.
Os nefilins são claramente indicados como resultado
da união entre os anjos caídos e as mulheres. Embora os estudos dessa
palavra apresentem diversas sugestões para o significado do termo, sua
definição bíblica vem de apenas um outro exemplo na Escritura, Números
13:33:
Também vimos ali gigantes (nefilins, os filhos de
Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios
olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos.
Portanto, entendo que os nefilins sejam uma raça de super-humanos, produto dessa invasão angélica à terra7.
Esta interpretação não só está em conformidade com o
uso bíblico da expressão “filhos de Deus”, como também é a que mais se
encaixa no contexto da passagem. Os efeitos da queda são vistos na
descendência ímpia de Caim (capítulo 4). Embora ele e seus descendentes
estivessem “sob o domínio de Satanás”, Satanás conhecia muito bem as
palavras de Deus de Gênesis 3:15, que da descendência da mulher Deus
traria o Messias que iria destruí-lo. Não sabemos se toda a linhagem de
Sete foi temente a Deus. Na verdade, podemos supor exatamente o
contrário. Só Noé e sua família direta parecem justos na época do
dilúvio.
Gênesis seis descreve uma tentativa desesperada de
Satanás para atacar o remanescente piedoso mencionado no capítulo cinco.
Enquanto um descendente justo é preservado, a promessa de Deus paira
sobre a cabeça de Satanás, como uma ameaça da sua destruição iminente.
As filhas dos homens não foram violentadas ou
seduzidas. Elas simplesmente escolheram o marido da mesma forma que os
anjos as selecionaram — pela atração física. Ora, se naquela época, você
fosse uma mulher desimpedida, a quem escolheria? A um homem atraente e
musculoso, famoso por sua força e por seus feitos, ou a alguém que
comparado a ele tivesse a aparência de um fracote de meia tigela?
Aquelas mulheres tinham esperança de ser a mãe do
Salvador. Quem seria o pai mais provável dessa criança? Não seria um
“valente de renome”, que também podia se gabar de imortalidade? Alguns
descendentes piedosos de Sete viveram quase 1000 anos, mas os nefilins
não morreriam se fossem anjos. E assim começou uma nova raça.
Será que Deus Muda de Ideia?
Enquanto os versículos 1 a 4 ressaltam a invasão dos
anjos no início de uma nova super-raça, os versículos 5 a 7 servem para
informar que a humanidade em geral merecia a intervenção destrutiva de
Deus na história — o dilúvio. No entanto, é aqui que encontramos um
problema muito sério, pois quase parece que Deus muda de ideia, como se a
criação do homem fosse um erro colossal da Sua parte. Vamos tratar,
então, da questão: “Será que Deus muda de ideia?” Vários fatores
precisam ser considerados.
Primeiro, Deus é imutável, Ele não muda em Sua pessoa, em Sua perfeição, em Seus propósitos e em Suas promessas.
Deus não é homem para que minta, e nem filho de
homem para que se arrependa. Porventura tendo ele prometido não o fará,
ou tendo ele falado, não o cumprirá? (Números 23:19)
Também a glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa. (1 Samuel. 15:29, cf. também Salmos 33:11, 102:26-28, Hebreus 1:11-12, Malaquias 3:6, Romanos 11:29, Hebreus 13:8 e Tiago 1:17).
Segundo, há passagens nas quais “parece” que Deus muda de ideia.
Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto este
povo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para que
se acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma
grande nação... Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia
de fazer ao povo. (Êxodo 32:9-10, 14)
Viu Deus o que fizerem, como se converteram do seu
mal caminho e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o
fez. (Jonas 3:10)
Então o Senhor se arrependeu disso. Não acontecerá,
disse o Senhor... E o Senhor se arrependeu disso. Também não
acontecerá, disse o Senhor Deus. (Amós 7:3, 6)
Terceiro, nos casos onde Deus “parece” mudar de ideia, uma ou mais das seguintes considerações pode ser aplicada:
a) A expressão “Deus se arrependeu” é um
antropomorfismo, ou seja, uma descrição de Deus que assemelha Suas ações
às ações do homem. De outra forma, como o homem poderia entender o
pensamento de Deus? O “mudar de ideia” de Deus pode ser apenas a maneira
de ver da perspectiva do homem. Em ambos os textos, de Gênesis 22 (cf.
versículos 2, 11-12) e de Êxodo 32, o que Deus propôs foi uma prova. Nos
dois casos, Seu propósito eterno não mudou.
b) Nos casos em que tanto julgamento quanto bênção
são prometidos, pode haver uma condição implícita ou explícita. A
mensagem pregada por Jonas aos ninivitas é um deles:
Começou Jonas a percorrer a cidade de caminho dum
dia, e pregava, e dizia: Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.
Os ninivitas creram em Deus e proclamaram um jejum, e vestiram-se de
pano de saco, desde o maior até o menor. Chegou esta notícia ao rei de
Nínive: ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais.
cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre a cinza. E fez-se
proclamar e divulgar em Nínive: Por mandato do rei e seus grandes, nem
homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem, os
levem ao pasto, nem bebam água; mas, sejam cobertos de pano de saco,
tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a Deus; e se
converterão, cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas
mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do
furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? (Jonas 3:4-9)
O que era desejado pelos ninivitas, para Jonas era
um fato. Eles clamaram por misericórdia e perdão, no caso de Deus poder
ouvir e perdoar. Quando eles se arrependeram e Deus demonstrou
compaixão, Jonas ficou louco de raiva:
Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou
irado. E orou ao Senhor e disse: Não foi isso o que eu disse, estando
ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois
sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e
grande em benignidade, e que se arrepende do mal. (Jonas 4:1-2)
Jonas sabia que Deus era amoroso e clemente. A
mensagem pregada por ele indicava uma exceção. Se os ninivitas se
arrependessem, Deus os perdoaria. Foi sobre isso que Jeremias escreveu,
dizendo:
No momento em que eu falar acerca de uma nação de
ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se tal nação se
converter da maldade contra a qual eu falei, também eu me arrependerei
do mal que pensava fazer-lhe. E, no momento em que eu falar acerca de
uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ele fizer o que é
mal perante mim e não der ouvidos à minha voz, então, me arrependerei
do bem que houvera dito lhe faria. (Jeremias 18:7-10)
c) Embora o decreto de Deus não possa ser alterado,
precisamos admitir que Ele é livre para agir como quiser. E, embora Seu
roteiro possa mudar, Seus propósitos não mudam, “porque os dons e a
vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11:29).
Deus prometeu levar Seu povo à terra de Canaã.
Devido à sua incredulidade, a primeira geração não tomou posse da terra,
mas a segunda sim. Quando Jesus veio, Ele Se ofereceu a Israel como o
Messias. A rejeição de Israel tornou possível oferecer o evangelho aos
gentios. Apesar disso, quando os propósitos de Deus para os gentios
forem cumpridos, Deus derramará Sua graça e salvação novamente sobre os
judeus. O roteiro de Deus pode mudar, mas não Seus propósitos (cf.
Romanos 9-11).
d) Ainda que a vontade de Deus (Seu decreto) não
possa mudar e não mude, Ele é livre para mudar Suas emoções. Gênesis
6:6-7 descreve a reação de Deus ao pecado humano. Pesar é a resposta de
amor ao pecado. Deus não é estóico; Ele é uma pessoa que Se regozija na
salvação do homem e em sua obediência, e que Se aflige diante da
incredulidade e da desobediência. Embora o propósito de Deus para a raça
humana não mude, Sua atitude muda. Com certeza, um Deus Santo deve Se
sentir diferente com relação ao pecado e com relação à obediência. Esse é
o ponto dos versículos seis e sete. Deus é afligido pelo pecado do
homem e suas consequências. No entanto, Ele cumprirá Seus propósitos
independentemente disso. Embora tal circunstância tenha sido decretada
desde a eternidade pretérita, Deus jamais poderia se regojizar nela, só
lamentar a maldade e a obstinação do homem.
Uma ilustração semelhante é a reação emocional de
nosso Senhor no Jardim do Getsêmani (cf. Mateus 26:36 e ss). Desde a
eternidade pretérita Ele tinha Se proposto a ir à cruz para comprar a
salvação do homem. No entanto, quando o momento da Sua agonia se
aproximou, Ele teve medo. Seu propósito não mudou, mas Suas emoções,
sim.
O Significado desta Passagem para o Israel Antigo
Para os antigos israelitas esta passagem ensinou
diversas lições valiosas. Primeiro, ela lhes deu uma explicação adequada
para o dilúvio. Podemos entender que aquela super-raça tinha de ser
eliminada. O dilúvio não foi apenas uma forma de Deus julgar os homens
pecaminosos, mas também de cumprir Sua promessa de trazer salvação pelo
descendente da mulher. Se o relacionamento entre anjos e homens não
tivesse sido interrompido, o remanescente piedoso teria deixado de
existir (humanamente falando). Segundo, a passagem ilustrou o que Deus
tinha dito à serpente, Adão e Eva: “Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e o seu descendente” (Gênesis 3:15a).
Israel não ousou esquecer que havia uma intensa
batalha sendo travada, não só entre os descendentes de Caim e Sete, mas
entre Satanás e o descendente da mulher. Embora nós estejamos
acostumados a tal ênfase no Novo Testamento, os antigos tinham poucas
referências diretas a Satanás ou a seus assistentes demoníacos (cf.
Gênesis 3, Deuteronômio 32:17, 1 Crônicas 21:1, Jó 1 e 2, Salmo 106:37, Daniel 10:13, Zacarias 3:1-2). Esta passagem seria uma vívida lembrança da exatidão da Palavra de Deus.
Terceiro, a passagem ressaltou a importância de
Israel manter sua pureza racial e espiritual. O remanescente crente em
Deus tinha de ser preservado. Quando os homens deixaram de perceber a
importância disso, Deus teve de julgá-los com rigor. Quando a nação
entrasse na terra de Canaã, poucas lições seriam mais importantes do que
a necessidade de separação.
O Significado de Gênesis 6 para os Cristãos Atuais
Muito embora o Novo Testamento tenha muito mais a
dizer sobre as atividades de Satanás e seus demônios, poucos de nós
parecem levar a sério a nossa luta espiritual. Nós realmente acreditamos
que a igreja consegue operar somente com o esforço e a sabedoria
humana, ou com uma ajudazinha de Deus. Muitas vezes tentamos viver a
vida espiritual no poder da carne. Dizemos às pessoas para fazer uma
nova dedicação da sua vida e redobrar seus esforços, mas deixamos de
lhes dizer que a nossa única força é aquela que Deus nos dá.
Hoje, a batalha travada entre os filhos de Satanás e
os filhos de Deus (no sentido do Novo Testamento — João 1:12, Romanos
8:14, 19) é muito mais intensa do que foi nos tempos antigos. O destino
de Satanás está selado e seus dias estão contados (cf. Mateus 8:29).
Vamos, pois, nos revestir da armadura espiritual de Deus para a luta
espiritual de que somos parte (Efésios 6:10-20).
Em segundo lugar, precisamos entender que Satanás
ainda hoje nos ataca com os mesmos instrumentos. Não conheço nenhum caso
de seres angélicos caídos invadindo a terra em forma humana para
promover a causa de Satanás em nossos dias. No entanto, Satanás continua
trabalhando sutilmente por intermédio dos homens.
Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros
fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de se
admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é
muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros
de justiça; e o fim deles será conforme as suas obras. (2 Coríntios
11:13-15)
Assim como Satanás procurou corromper os homens
manifestando-se (ou melhor, seus anjos) na forma de seres humanos
superiores, hoje ele usa os “anjos de luz”. Nossa tendência é supor que,
na maioria das vezes, ele use os réprobos. Às vezes, até parece que
esperamos encontrá-lo num patético endemoninhado ou num pobre-coitado
desesperado. É fácil atribuir a Satanás esse tipo de coisa. No entanto,
seu melhor trabalho e, em minha opinião, o mais comum, é quando usa
pregadores aparentemente piedosos, devotos e religiosos que estão atrás
do púlpito, ou se assentam no Conselho da igreja, falando de salvação em
termos de comunidade e não de almas, e pelas obras ao invés da fé.
Satanás continua promovendo sua causa usando homens que não são o que
parecem ser.
Por fim, observe que o melhor trabalho de Satanás
está justamente nas áreas onde homens e mulheres depositam a esperança
da sua salvação. Quando os homens-anjos pediram as filhas dos homens em
casamento, eles deviam parecer pais dos mais promissores. Se tais
criaturas fossem imortais, sua descendência também não seria? Seria esta
a forma de Deus reverter os efeitos da queda e da maldição? Assim deve
ter parecido àquelas mulheres.
E é exatamente isso o que Satanás faz ainda hoje.
Ah, mas não pense que ele esteja se autopromovendo através do ateísmo ou
de outros “ismos”, pois o lugar onde ele faz mais sucesso é justamente
na religião. Ele usa sua expressão mais piedosa e emprega terminologia
religiosa. Ele não procura acabar com a religião, mas retira dela seu
elemento crucial, a fé no sangue derramado de Jesus Cristo como
substituto para o pecado dos homens. Ele está sempre pronto a se juntar a
qualquer causa religiosa, desde que esse ingrediente seja omitido ou
distorcido, ou fique perdido num labirinto de legalismo e libertinagem.
Cuidado, meu amigo, Satanás está no mundo da religião. Que melhor
maneira de desviar a alma dos santos e de cegar a mente dos homens (2
Coríntios 4:4)?
Onde está sua esperança de imortalidade? Está na sua
descendência? Isso não funcionou para Caim. Está no seu trabalho? Você
quer construir um império ou erigir um monumento dedicado ao seu nome?
Você não será o último. Tudo isso sucumbiu no dilúvio do julgamento de
Deus. Só a fé no Deus da Bíblia e, mais especificamente, no Filho
enviado por Ele, lhe dará imortalidade e o libertará da maldição. O
único jeito para isso acontecer é você se tornar um filho de Deus por
intermédio do Filho de Deus.
Jesus lhe disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim. (João 4:6)
Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza
1 O problema mais sério desse ponto de vista se encontra no versículo 4. Sob todos os aspectos, os gigantes (nephilim) e os homens poderosos (gibborim) são os descendentes dos casamentos entre os “filhos de Deus” e as “filhas dos homens”. Como diz Kline:
“De forma alguma fica clara a razão pela qual a
descendência de casamentos mistos deva ser nephilim-gibborim, no
entanto, estes devem ser entendidos dentro do alcance da interpretação
provável... Mas sua (a do autor bíblico) referência ao ato conjugal e à
gestação encontra justificativa apenas se ele estiver descrevendo a
origem dos nephilim-gibborim. A menos que a dificuldade resultante dessa
conclusão seja superada, a interpretação do casamento misto nesta
passagem deve ser definitivamente descartada”.
Para resumir o problema: “Por que é declarado o
tipo de descendência mencionada no versículo quatro se aqueles foram
apenas casamentos mistos?” Manfred E. Kober, The Sons of God of Genesis 6: Demons, Degenerates, or Despots? p. 15. Kober cita aqui Meredith G. Kline, “Divine Kingship and Genesis 6:1-4”, Westminster Theological Journal, XXIV, Nov. 1961- May 1962, p. 190.
2
“No Egito o rei era chamado de o filho de Ra (o deus-sol). O rei
Sumero-Akkadian era considerado descendente da deusa e um dos deuses, e
essa identificação com a divindade remonta aos primórdios, de acordo com
Engell. Em uma inscrição há uma referência a ele como “o rei, o filho
de seu deus”. O rei Hitita era chamado “filho do deus-tempo”, e o título
de sua mãe era Tawannannas (mãe do deus). Na região semítica noroeste o
rei era diretamente chamado de filho de deus e o deus era chamado de
pai do rei. O texto Ras Shamra (Ugarítico) Krt se refere a deus como o pai do rei e o rei Krt como Krt bn il, o filho de el ou o filho de deus. Assim, com base no uso semítico, o termo be ne ha elohim,
os “filhos de deus” ou “filhos dos deuses”, muito provavelmente se
refere aos governantes da dinastia de Gênesis 6.” An Exegetical Study of
Genesis 6:1-4, Journal of the Evangelical Theological Society, XIII, inverno 1970, pp. 47-48, como citado por Kober, p. 19.
3
Em excelente artigo apresentando sobre esta posição, Kline escreve que,
nos tempos antigos, surgiu entre os judeus a opinião de que os “filhos
de Deus” de Gênesis 6 seriam aristocratas, príncipes, e nobres, em
contraste com as socialmente inferiores “filhas dos homens”. Dessa
interpretação, por exemplo, chegou-se à expressão no Targum Aramaico (o
Targum de Onkelos traduz o termo como “filhos dos nobres”) e na tradução
grega de Symmachus (que interpreta “os filhos de reis ou lordes”) e é
seguida por muitas autoridades judaicas até o presente”. Kober, pp;
16-17, referindo-se a Kline, p. 194.
4 Kober, p. 16, citando Birney, p. 49 e Kline, p. 196.
5 Por exemplo, W. H. Griffith Thomas, que sustenta a posição dos descendentes de Caim e de Sete, diz:
“O versículo 2 fala da união de duas linhagem
pelo casamento misto. Alguns escritores consideram a frase “filhos de
Deus” como se referindo aos anjos, o que é apoiado por outras passagens
— cf. Jó 1:6; Salmo 28:1, Daniel. 3:25 — e, de fato, em qualquer lugar da Escritura, a frase invariavelmente quer dizer anjos”. Genesis: A Devotional Commentary (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1946), p. 65.
6 Será que não é este o cativeiro temido pelos demônios em Marcos 5:10 e Lucas 8:31?
7
Será que o fato de os nefilins serem mencionados depois do dilúvio
significa que essa prática continuou mesmo depois dele? Alguns pensam
que sim, enfatizando a frase “e também depois” (Gênesis 6:4). Se foi
assim, precisamos dizer que isso não ameaçou a promessa de Deus naquela
época. Só seria um reforço à importância de não se casar com alguém dos
cananeus, entre os quais se encontravam os nefilins.
Pessoalmente, não acho que a super-raça tenha
aparecido após o dilúvio. A expressão nefilim, da forma como a entendo,
não é sinônima desta, uma super-raça, mas a descrição dela. Refere-se
simplesmente à grande estrutura física deles, exatamente como as outras
expressões (“homens poderosos”, “homens de renome”) se referem à sua
reputação e ao seu poderio militar. Não acho que precisamos encontrar
criaturas super-humanas em Números 13:33, só gigantes. A palavra
nefilim, portanto, é definida por Moisés em Números como se referindo a
uma grande estatura física. Nenhum nome técnico é dado à super-raça,
somente descrições que podem ser usadas em qualquer outro lugar para
outras criaturas que não sejam anjos.
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